quarta-feira, 27 de maio de 2009

ALMERINDO REHEM

Crônica do jornalista e escritor Guido Guerra, publicado no Diário de Notícias em 16/04/1969

Conquanto seu vizinho, eu o via de longe e à distância, apoiado sobre a janela, cabisbaixo, modo, sem gestos, sem espantos. Calado, sofrendo sem ais e sem protestos. Olhava os que passavam e os cumprimentava, com o habitual aceno com a mão - um adeus que era uma despedida. E olhava-nos, com aquele olhar triste, muito triste, que era só dor. Já não falava. Emudecera, desde o último derrame. Era só aquela amargura no olhar triste, que era um grito de dor a cortar corações. Morreu, ontem, plena madrugada. Era o último suspiro, era o adeus definitivo do homem bom. Deitado, movendo-me na cama, sono intranquilo, pensei comigo:

- Está morto.

Depois, não ouvi mais nada. Nem passos apreensivos nem soluços de dor, nem preces nem o ruído do telefone, chamando, pedindo notícias. Saí, madrugada adentro. Nunca suportei a idéia de vê-lo indiferente aos que o cercavam, deitado, dentro do esquife, os olhos parados insensíveis ao estranho mundo que o fascinava, ao qual tanto amara. Habituara-me a vê-lo, sorrindo, cheio de otimismo, de entusiasmo e amor à vida, voz grossa e grave, a gargalhada gostosa, histórias e casos de espantar, que contava, as lutas que travara, o amor com que o coronel Almerindo Rehem se dava de corpo e alma às causas pelas quais se empenhava.

Conservo-o, intato, na memória, como o conheci, não como agora, como está: morto, definitivamente morto. Revejo-o em cada esquina em que parava para o batepapo amigo e solidário, a conversa regada a sinceridade, já sem o hábito antigo das continências e marchas militares, das ordens e do dever a cumprir, mas com a exata consciência do militar que foi e do homem que deixou de ser em plena madrugada, quando, intensificando a dor dos que o amavam, partiu com a mesma disposição e serenidade com que viu a morte em cada olhar que se nos dirigia, ou, em cada luta que, sem esmorecimentos, travara nos campos de batalha, onde a vida e a morte se conflitavam, no repetido reencontro da guerra contra a paz, do homem contra o inimigo do homem, do amor e do desamor.

Morreu, sem gestos, sem última frase, com amargura nos olhos, aquela amargura que nunca se desfez nos mínimos atos, no olhar que era um misto de ternura e grito de dor, um sorriso, forçado, sem jeito, que, às vezes, era convulsivo pranto, amargura vindo de dentro, rasgando entranhas. Permaneço aqui recordando-o, cheio de vida e amor aos homens. Digo para mim mesmo: "Era um homem bom. Uma figura extraordinária, o coronel". Limito-me à frase, repito-a para todos. No entanto, não o fui ver morto nem o visitei quando adoecera. Não lhe assisti o derradeiro adeus nem ao último suspiro, o definitivo rito de dor. Morto, pálpebras cerradas, mãos cruzadas sobre o peito, eu o reverei sempre, lutando, e sofrendo, mas dando o exemplo: nunca se entregando. Agora, de volta à casa, paro frente à sua, pegada à minha, olho-a e não entro, não entrarei mais para não redescobri-lo, sofrendo, com aqueles gestos, apenas aqueles gestos, que não morrerão jamais. Em todo caso, eu me pergunto: pode haver dor mais forte do que a de não o poder ver mais, nunca mais?

9 comentários:

  1. Bela crônica.. o Coronel deve ter sido um homem fantástico... gostaria muito de ter conhecido ele... 40 anos depois de sua ida ele está presente em nossos corações!!!!

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  2. Cel. Almerindo Rehem

    Eu lhe quero bem só de ouvir dizer: o sr foi um homem bom,mas que isso, foi extraordinário! morreu em 1969, eu só entrei na familia em 1980 e ao ouvir a sua história, lamentei profundamente não tê-lo co nhecido pessoalmente, tenho a sensação de perda, de frustação até, de não conviver com o sr.,porque tenho a certeza que eu deixei de viver momentos que me engrandeceriam muito . Mas a sua luz é tão grande, que é possível admirá-lo e amá-lo sem o ter conhecido. Beti, fevereiro de 2010

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  3. Bonitas palavras Bete...
    Eu, que entrei na família só um ano mais tarde, em 81, digo o mesmo.. digo exatamente o mesmo.. rs

    O Coronel, sinto muito orgulho de ser seu neto.
    Leo Rehem

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  4. Olá.
    Meu nome é Renata Rehem.
    Tenho muitas curiosidades sobre a familia REHEM.
    É verdade que existe apenas 1 familia Rehem espalhada pelo mundo?

    Ou seja, todos os REHEM são primos ou parentes distantes?

    Grata a quem puder responder esta duvida.

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  5. Cara Renata,
    Pelo que sei é uma família só, mesmo que escrita com algumas derivações (Rehem, Rehm, Rehen, Rhem, etc). No meu caso, o ramo da Bahia tem origem no distrito de Aribicé, municipio de Euclides da Cunha.
    Você mora onde, em Salvador? Mande mais notícias, pois, há alguns anos fizemos uma "listagem genealógica" da família e pretendo dar uma arrumada e divulgar neste blog.

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  6. Boa ideia, ia falar disso da arvore genealogica.
    massa!

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  7. Wellingtonabril 03, 2010

    Oi, eu me chamo Wellington Rehem moro em R. do Pombal Ba. Minha familia e dos Rehem de Aribice, sou neto de Euclides Rehem, e minha mae se Chama Idalzina Rehem.
    Abraços a todos.

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  8. Wellingtonabril 03, 2010

    Oi, sou eu de novo Wellington, eu gostaria de saber se nossa familia tem Brasão e se tiver eu queria saber se e possivel vcs me enviarem no meu email, pois estou querendo fazer uma tatuagem com o mesmo. pecas@motospombal.com.br.
    Abracos estou aguardando.

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  9. Caro Wellington,
    Inicialmente peço desculpa pela demora na resposta, mas não recebi o seu comentário do dia 22/02 e sim o de hoje.
    Não tenho conhecimento da existência de um brasão da família, mas estamos pesquisando e se existir um contatarei com você.
    Estamos montando a árvore genealógica dos Rehem e já contamos com mais de 700 registros. Convido-o a entrar no site http://www.familiarehem.myheritage.com, solicitando a sua colaboração nas correções e complementações de dados e comentários.
    Por acaso você é Wellington Rehem de Miranda, filho de Idalzina e Deusdete e neto de Euclides e Áurea?
    Um grande abraço,
    Denilson Rehem

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