domingo, 21 de junho de 2009

DISCURSO DE DESPEDIDA

Meus amigos,
Meditei muito sobre o que dizer a vocês neste instante. Tudo o que vinha à minha mente parecia não satisfazer. Sempre insuficiente. Convenci-me então que seria impossível transformar em palavras tudo aquilo que sinto.
Liguei o rádio e coincidentemente ouvi Caetano Veloso a cantar a sua poesia, provocando em mim um momentâneo sentimento de inveja. Senti-me pequeno demais diante deste gesto de vocês, e sem palavras à altura para retribuir. Mas, se amizade é um encontro no meio do caminho, vocês não poderiam esperar de mim aquilo que não posso dar. Um simples olhar pode significar muito mais do que um monte de palavras. Por mais que eu diga, nunca ficarei satisfeito, nunca transmitirei exatamente aquilo que gostaria.
Interessante como os opostos se atraem. Estamos reunidos em virtude da volta e vêm-me à mente os momentos que antecederam a nossa vinda. Lembro-me da última noite que passamos em Salvador. Perdi o sono e comecei a analisar o passado e fazer conjecturas sobre o futuro. Tudo estava arrumado para a viagem, e eu, que nunca imaginei sair de Salvador, estava prestes a enfrentar um mundo totalmente desconhecido. Olhei para a minha mulher e o meu filho Serge. Ambos dormiam e este último, na inocência dos seus cinco meses, nem sequer pôde ser consultado sobre a decisão tomada. Veio-me então uma profunda indecisão. Afinal, seríamos felizes? Valeria à pena partir do conhecido para o obscuro? Que tipo de pessoas viríamos a conhecer? E amigos, quantos e como?
Lembrei-me então do meu melhor amigo, meu pai, já falecido, mas sempre vivo em nossas mentes, pela grandeza da sua humildade, seu coração, seus gestos e seus ensinamentos. Vi com que amadurecimento encarava estar a nossa casa cheia ou vazia de pessoas, coincidindo com os períodos nos quais ocupava, ou não, cargos de relevância. Como toda criança, tinha a maior admiração por ele. Só que esta admiração ainda cresce à medida em que os anos passam. Com ele aprendi que devemos assumir cargos nos preparando para a saída. Devemos aceitá-los sempre imaginando-os como roupas feitas para pessoas maiores do que nós, e prepararmo-nos para, a qualquer momento, quando da chegada do seu dono, retirá-las sem sentir a sensação de que estamos despidos. Afinal, aquela roupa não nos pertence e coube-nos vesti-la somente durante determinado tempo.
A noite arrastava-se e, por fim, entre cochilos constatei que havia amanhecido. Era o momento de seguir para o aeroporto. Lá, nem mesmo os pêsames pela mudança faltaram. Coração partido de saudade, apreensivo, mas ainda assim, havia lugar para esperança e fé. Ione, coitada, quase desidratada de tanto chorar. Chegamos a Brasilia e fui imediatamente absorvido pelas novas atividades. De repente vi-me diante de muita gente também apreensiva, e , naturalmente curiosa quanto à minha pessoa. Era a minha posse como Chefe de Gabinete da Secretaria da Agricultura e Produção e eu pensei : o que estaria fazendo no meio de tanta gente desconhecida? Confesso, hoje, que tive vontade de tomar o primeiro avião e retornar à minha cidade natal. Pior que tudo é que todos esperavam as minhas primeiras palavras e eu quase nada tinha a dizer. Preferi, naquela oportunidade, afirmar laconicamente que o meu discurso “seria o mais longo de todos, com duração prevista para cinco anos, e transmitido no dia-a-dia de convívio”. É verdade que não cheguei aos cinco anos. Completei 2 anos e 7 meses no dia quatro próximo passado. E o que não consegui dizer, neste período, não é agora, em poucos minutos, que vou ter êxito. Considerem como discursos de posse e despedida, todos os atos por mim praticados. Por eles deverei ser julgado e não tenho tempo, agora, para fazer remendos.
Assumo todos os meus erros. Brasilia, para mim, é uma passagem inesquecível, e se hoje tivesse que tomar nova decisão, sem dúvida, seria a mesma: Viria! Se é verdade que passei dificílimas horas, somente um momento como este compensaria ter vindo. Nada mais de positivo seria necessário. Bastaria agora! Três sentimentos talvez melhor representem a síntese deste instante: emoção, esperança e saudade.
Sobre cada um deles escolhi um pensamento o os transmito a vocês como mensagem:
Emoção: “Aquele que transforma em beleza todas as emoções, sejam de melancolia, de tristeza, prazer ou dor, vive em perpétua alegria.” José Pereira da Graça Aranha
Esperança: “Esperança é uma mão misteriosa que nos aproxima do que desejamos e nos afasta do que temos.” Severo Catalina
Saudade: “O perfume da saudade é como o de certas flores, que só se percebe quando de longe o recebemos. Se, iludidos o tentamos aspirar de perto, dissipa-se.” Julio Diniz
Este momento jamais será esquecido, pois, quando deixo, definitivamente, a presidência da Fundação Zoobotânica do Distrito Federal, definitivamente vocês ingressam em nossos corações. E isso só foi possível através da confiança em mim depositada pelo secretário Pedro Dantas e pelo governador Elmo Farias, aos quais registro os meus profundos agradecimentos.
Quero, por fim, agradecer especialmente as bondosas palavras há pouco proferidas pelo Dr. Jésus Manzan, representando todos os servidores da Fundação, fazendo minhas as palavras do Ex-Presidente Emilio Garrastazu Médici, ditas recentemente, quando da passagem dos seus 71 anos: “Esta homenagem é mais pela generosidade de vocês do que pelo merecimento do homenageado.”
Muito obrigado!

Discurso proferido por Denilson Rehem, ao deixar a presidência da Fundação Zoobotânica do Distrito Federal – FZDF. (Churrascaria do Lago – Brasilia/DF, 10 de dezembro de 1976)

4 comentários:

  1. Pai,

    rapaz... fiquei emocionado lendo esse texto, é um belo discurso.. foi uma bela resposta.. voce escrevia muito bem desde novinho... ..e já se passaram mais de 30 anos hein pai?.. tanta coisa aconteceu.... essas são as belezas da vida.. parabéns!! gostei de conhecer mais um pouco dessa época...

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  2. É, pai. Nosso almoço realmente ajudou a melhorar meu entendimento dos discursos. Gostei muito do texto, principalmente a parte em negrito. Pena que na minha saída da gerencia do polo de desenvolvimento da Sunac, no Serpro, eu não escrevi um discurso formal (mas tenho uma apresentação e alguns filmezinhos que passei, talvez eu os poste aqui). Não sei se é genenético, mas há muita semelhança nesse entendimento que o cargo é um meio, não fim, e que é passageiro. Simples de entender, difícil de praticar. Quem dera os nossos atuais gestores públicos se postassem da mesma forma.

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  3. seu texto está maravilhoso.
    Parabéns..............

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  4. A Leandro,Serge e Anônimo, agradeço a gentileza dos comentários.

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